Deixei de contar os esquecimentos de chave de casa desde que o Tiago conseguiu perder o cartão para entrar na escola 3 vezes na mesma semana. As senhoras da secretaria já se riam quando eu lá entrava. O senhor das senhas de almoço deixava-o passar fosse como fosse, porque só o tempo que ele levava a esgravatar tudo à procura da senha, a fila ficava interminável.
Os cadernos não têm capa, os lápis estão roídos, as borrachas inexistentes, material para aquelas disciplinas de fazer coisas é mentira e a mochila parece saída do cú do burro depois de um dia de uso.
Nos testes não passa do Bom, porque não repara que ficam perguntas por responder e às outras dá-lhe a despachar.
- Respostas completas, Tiago!
- Mas é para dizer o que sei ou falar para burros?
Uma vez estudou que se matou, lá na métrica de estudar dele, para um teste de Ciências. Teve bom. Explicação: aquilo tinha duas imagens ao início e eu achei que era só para enfeitar mas afinal era para meter a legenda. E eu até sabia...
Hoje andava aqui a tentar encontrar um documento neste cosmos a que os outros chamam computador e encontrei um texto que escrevi sobre ele quando tinha uns 3 anos. Continua válido.
:::::
- Tu não és normal pois não?
- Não. Eu sou o Tiago!
Foi assim que o meu filho me respondeu depois de mais um devaneio da sua irrequieta alma.
E, como sempre, eu só me consigo rir dos sucessivos disparates que ele faz!
Estar com ele é como ouvir música no volume máximo. Nem sempre apetece, nem sempre se aguenta muito tempo. Muitas vezes sabe muito bem. Demasiado bem.
Viver a vida com aquela entrega à vida e a todos os sentimentos não deve ser fácil, mas viver a vida assim é ter a própria vida na mão.
Sempre em sentimento excessivo do que quer que seja. Bom ou mau. Feliz ou infeliz. Muito ou pouco. Sempre excessivamente. Sempre em carne, sempre aos gritos. Sempre despenteado!!! Sempre pronto a responder com o descaramento todo que tem dentro dele. Responde sempre a verdade.
Não tem nada, porque não tem tempo, nem vontade, nem serenidade.
Tem tudo, porque tem alma, coração, encanto e talento.
Incomoda porque não cede e paga o preço que custa ser assim. De sorriso rasgado e olhos brilhantes. A queixar-se. Sempre! Sem ceder.
O Tiago é aquele pássaro que acabou de se escapar das nossas mãos. É a alternativa a tudo o que somos. A ovelha negra assumida!
A aventura não está na vida dele. Vive dentro dele. Corre-lhe no sangue. A lucidez só tem lugar algumas vezes!
Passam-me à frente da vista todos os outros Tiagos que conheço e termino a lista no meu filho Tiáguinho.
E observo um padrão. Imperfeição. De tanta humanidade que carregam consigo.
Nenhum é normal, todos são loucos. Todos recebem dos outros admiração, complacência ou disfarçada indiferença.
Estou certa que todos já inundaram a casa, pegaram fogo à cozinha nos 2 minutos de ausência da mãe, despejaram o leite do biberão à força de o abanarem só para o verem a cair no chão vindo do céu. Já todos gritaram à mãe "Não apagues a minha estrada!" quando a mãe limpava os riscos vermelhos feitos na parede. E todos quiseram (e continuam a querer) uma nave espacial em vez de uma mota.
Estou certa que todos correm para os braços de quem amam e lhes esmagam o peito e lhes tiram a respiração com a força do impacto. Todos amam da mesma forma que vivem. Em excesso.
Estou certa que continuam a fazê-lo. Independentemente da idade, da profissão, da família e dos amigos que tenham.
Só porque se chamam Tiago.
Sem comentários:
Enviar um comentário