21 de fevereiro de 2016

above us only sky

Não foi por causa dos Beatles que fui a Liverpool. Foi por causa do doutoramento. Precisava fugir assim que a coisa se desse. Precisava ir. Comprei a viagem no dia que soube a data da defesa e escolhi-a entre as várias propostas lowcost que apareciam na lista. A Europa está tão barata que a lista, dentro do meu orçamento, ainda era grande. Mas Inglaterra chama-me sempre. Não sei bem as razões deste encanto. Mas a vida parece-me melhor em Inglaterra. Desta vez não me apeteceu ficar em couchsurfing, porque sempre exige alguma interacção e eu não me sentia com essa capacidade. Decidi ficar numa hostel, que nos deixa escolher dia a dia se nos apetece falar com alguém ou não. Não consigo achar piada aos hotéis, tão impessoais, cheios de quartinhos isolados onde ninguém fala com ninguém.
Liverpool vê-se em dois dias. É pequena e tem tudo perto. E tem tudo é uma boa descrição. Uma cidade muito cultural, cheia de história feita de renascimentos, bons museus (gratuitos como em qualquer lugar do Reino Unido), bom ambiente na rua, sempre cheia de pessoas e de música. Não tão cara como Londres, embora a libra esteja dolorosa.
A área comercial é a antiga rua do comércio de lá, transformada numa mega zona cheia de lojas, moderna e atractiva. É na rua. Mesmo que chova. As coisas não param porque chove. As pessoas não deprimem nem se queixam. That's life! 
Eu gosto dos ingleses e acho que em Portugal estamos muito agarrados ao estereotipo formado pelos que vêm ao Algarve. Eles são crus. São directos a conversar, opinativos num sentido de partilha de ideias e depois cada um vai à sua vida. Fazem perguntas e interessam-se. Debatem as coisas abertamente, sem estarem na defensiva ou a ofenderem-se. E são também carinhosos. De todas as vezes que lá vou conheço pessoas carinhosas. Sem mariquices, porque há sempre muita racionalidade neles! 
Desta vez, enganei-me a marcar a hostel e fiquei uma noite sem ter onde ficar. Não me preocupei muito quando descobri, decidi que ia dormir ao aeroporto e pronto. Mas fui traída pelo cansaço. Na véspera de vir embora sentia-me tão cansada e com tantas saudades dos meus filhos, que fui para a hostel às 3h da tarde desesperar. E, claro. O aeroporto começou a ser uma opção cada vez mais difícil de encarar. Estava a precisar de conforto para me aguentar. Decidi falar com a hostel, que estava cheia, e deixaram-me ficar na sala da TV à espera do BUS para o aeroporto. Eu expliquei o que se passava, a senhora saiu a dizer que ia falar com o gerente e voltou com uma chávena de chá e bolachas a dizer que eu podia ficar ali e para não me preocupar. Depois foi-se embora. Não quis desfiar a minha vida nem absolutamente nada sobre mim. Conversou, ouviu, decidiu, executou com carinho e bazou. Sinto-me em casa lá. É tudo normal e fácil para mim. Sinto-me normal quando converso com aquelas pessoas. Até se riem das minhas piadas parvas e nunca_nunca_me entendem com agressividade ou distorcendo o que eu acho que digo. Há poucas coisas melhores que isso. Essa descontracção de simplesmente poder estar a falar sem ter que tomar atenção ao verbo, ao adjectivo, ao tom, ao olhar e às outras 537 entrelinhas que os portugueses reparam quando interagem. 
Inglaterra será sempre um dos meus destinos.




18 de fevereiro de 2016

às vezes a vida muda

Eu fui educada por uma professora. A minha mãe.  É diferente ser educada por uma mãe com outra profissão qualquer e ser educada por uma mãe professora. Para explicar como foi numa frase: eu passei a minha infância e adolescência a afirmar convictamente que nunca seria professora. Entretanto, sou professora. cof cof cof. Mas é uma casualidade.
Ter uma mãe professora não evitou de maneira nenhuma que a certa altura eu me perdesse no que queria para a minha vida. Entre escolhas completamente ridículas e aleatórias, deixei pouco por experimentar. Até em saúde andei e lembro-me perfeitamente de fazer um teste que tinha uma figura para legendar. Passei o teste todo a tentar descobrir o que era aquilo. No final, os meus colegas lá desvendaram que era o coração visto de dentro. Ficou claro que eu não servia para saúde.
Acabei em Economia porque a minha mãe não simpatizava com o meu gosto, quase exclusivo, por filosofia. E assim, descobri coisas tormentosas como Cálculo Financeiro e penei três longos anos. Quanto mais a entrada no ensino superior se aproximava, mais eu via nublado à minha frente. E quando eu vejo nublado, sou uma pessoa com tendência para arranjar muitos problemas. Ora, isto na margem sul e nos anos 80....não foi fácil.
Um dia, no final da aula de Economia, o meu professor disse-me para ficar. Era também o meu director de turma e comecei a ver a vida a andar para trás. Não dei parte fraca, que aos 17 anos eu era a tipa mais insuportável de todo o sistema solar, e sentei-me em cima da mesa para o ouvir, numa clara performance de "sou a maior e whatever".
António Bolinhas de seu nome. Dava catequese nas horas vagas e tinha inclusive tido a oportunidade de levar comigo e com todas as minhas dúvidas e mágoas existenciais nesse campo, anos antes.
Disse-me, enquanto dele só escorria bondade, que eu não servia para economia. Disse-me que havia ai uma coisa nova chamada marketing, que tinha a ver com comunicação e pessoas, e que ele achava que eu podia ser feliz ai. Disse-me que quando eu duvidasse por um segundo daquilo que sentia, era porque aquilo que eu sentia não era forte o suficiente. E mandou-me embora.
O António Bolinhas. A quem dar catequese e ser solteiro em idade de estar casado, lhe garantia uma vida difícil no liceu da margem sul nos anos 80. Atravessou por mim adentro, ignorando todo o meu sistema de defesa minuciosamente montado, ignorando toda a petulância de uma miúda armada em parvalhona dia sim dia sim, e falou-me directamente ao coração a escorrer mais nada além de bondade em todas as palavras. Durou 10 minutos. Mudou a minha vida.

Deve ser por isso que agora passo o tempo a desejar que apareça um professor mágico na vida do meu filho Tiago que o atravesse. Que o resgate e o devolva à escola. Que o salve e lhe mude a vida. Infelizmente há coisas que nem as mães, mesmo as que são professoras, conseguem fazer.











11 de fevereiro de 2016

doutora por extenso

Já passou mais de uma semana e ainda não sinto o fim.
Mas a verdade é que já passou mais de uma semana. E eu continuo sem muitas palavras para associar a este dia. Esperei-o tanto que quando chegou estava anestesiada de terror e ansiedade.
Valeram-me as minhas pessoas. Como sempre.
Guardarei sempre o abraço que demos depois. Quando acabou.