Não foi por causa dos Beatles que fui a Liverpool. Foi por causa do doutoramento. Precisava fugir assim que a coisa se desse. Precisava ir. Comprei a viagem no dia que soube a data da defesa e escolhi-a entre as várias propostas lowcost que apareciam na lista. A Europa está tão barata que a lista, dentro do meu orçamento, ainda era grande. Mas Inglaterra chama-me sempre. Não sei bem as razões deste encanto. Mas a vida parece-me melhor em Inglaterra. Desta vez não me apeteceu ficar em couchsurfing, porque sempre exige alguma interacção e eu não me sentia com essa capacidade. Decidi ficar numa hostel, que nos deixa escolher dia a dia se nos apetece falar com alguém ou não. Não consigo achar piada aos hotéis, tão impessoais, cheios de quartinhos isolados onde ninguém fala com ninguém.
Liverpool vê-se em dois dias. É pequena e tem tudo perto. E tem tudo é uma boa descrição. Uma cidade muito cultural, cheia de história feita de renascimentos, bons museus (gratuitos como em qualquer lugar do Reino Unido), bom ambiente na rua, sempre cheia de pessoas e de música. Não tão cara como Londres, embora a libra esteja dolorosa.
A área comercial é a antiga rua do comércio de lá, transformada numa mega zona cheia de lojas, moderna e atractiva. É na rua. Mesmo que chova. As coisas não param porque chove. As pessoas não deprimem nem se queixam. That's life!
Eu gosto dos ingleses e acho que em Portugal estamos muito agarrados ao estereotipo formado pelos que vêm ao Algarve. Eles são crus. São directos a conversar, opinativos num sentido de partilha de ideias e depois cada um vai à sua vida. Fazem perguntas e interessam-se. Debatem as coisas abertamente, sem estarem na defensiva ou a ofenderem-se. E são também carinhosos. De todas as vezes que lá vou conheço pessoas carinhosas. Sem mariquices, porque há sempre muita racionalidade neles!
Desta vez, enganei-me a marcar a hostel e fiquei uma noite sem ter onde ficar. Não me preocupei muito quando descobri, decidi que ia dormir ao aeroporto e pronto. Mas fui traída pelo cansaço. Na véspera de vir embora sentia-me tão cansada e com tantas saudades dos meus filhos, que fui para a hostel às 3h da tarde desesperar. E, claro. O aeroporto começou a ser uma opção cada vez mais difícil de encarar. Estava a precisar de conforto para me aguentar. Decidi falar com a hostel, que estava cheia, e deixaram-me ficar na sala da TV à espera do BUS para o aeroporto. Eu expliquei o que se passava, a senhora saiu a dizer que ia falar com o gerente e voltou com uma chávena de chá e bolachas a dizer que eu podia ficar ali e para não me preocupar. Depois foi-se embora. Não quis desfiar a minha vida nem absolutamente nada sobre mim. Conversou, ouviu, decidiu, executou com carinho e bazou. Sinto-me em casa lá. É tudo normal e fácil para mim. Sinto-me normal quando converso com aquelas pessoas. Até se riem das minhas piadas parvas e nunca_nunca_me entendem com agressividade ou distorcendo o que eu acho que digo. Há poucas coisas melhores que isso. Essa descontracção de simplesmente poder estar a falar sem ter que tomar atenção ao verbo, ao adjectivo, ao tom, ao olhar e às outras 537 entrelinhas que os portugueses reparam quando interagem.
Inglaterra será sempre um dos meus destinos.