18 de fevereiro de 2016

às vezes a vida muda

Eu fui educada por uma professora. A minha mãe.  É diferente ser educada por uma mãe com outra profissão qualquer e ser educada por uma mãe professora. Para explicar como foi numa frase: eu passei a minha infância e adolescência a afirmar convictamente que nunca seria professora. Entretanto, sou professora. cof cof cof. Mas é uma casualidade.
Ter uma mãe professora não evitou de maneira nenhuma que a certa altura eu me perdesse no que queria para a minha vida. Entre escolhas completamente ridículas e aleatórias, deixei pouco por experimentar. Até em saúde andei e lembro-me perfeitamente de fazer um teste que tinha uma figura para legendar. Passei o teste todo a tentar descobrir o que era aquilo. No final, os meus colegas lá desvendaram que era o coração visto de dentro. Ficou claro que eu não servia para saúde.
Acabei em Economia porque a minha mãe não simpatizava com o meu gosto, quase exclusivo, por filosofia. E assim, descobri coisas tormentosas como Cálculo Financeiro e penei três longos anos. Quanto mais a entrada no ensino superior se aproximava, mais eu via nublado à minha frente. E quando eu vejo nublado, sou uma pessoa com tendência para arranjar muitos problemas. Ora, isto na margem sul e nos anos 80....não foi fácil.
Um dia, no final da aula de Economia, o meu professor disse-me para ficar. Era também o meu director de turma e comecei a ver a vida a andar para trás. Não dei parte fraca, que aos 17 anos eu era a tipa mais insuportável de todo o sistema solar, e sentei-me em cima da mesa para o ouvir, numa clara performance de "sou a maior e whatever".
António Bolinhas de seu nome. Dava catequese nas horas vagas e tinha inclusive tido a oportunidade de levar comigo e com todas as minhas dúvidas e mágoas existenciais nesse campo, anos antes.
Disse-me, enquanto dele só escorria bondade, que eu não servia para economia. Disse-me que havia ai uma coisa nova chamada marketing, que tinha a ver com comunicação e pessoas, e que ele achava que eu podia ser feliz ai. Disse-me que quando eu duvidasse por um segundo daquilo que sentia, era porque aquilo que eu sentia não era forte o suficiente. E mandou-me embora.
O António Bolinhas. A quem dar catequese e ser solteiro em idade de estar casado, lhe garantia uma vida difícil no liceu da margem sul nos anos 80. Atravessou por mim adentro, ignorando todo o meu sistema de defesa minuciosamente montado, ignorando toda a petulância de uma miúda armada em parvalhona dia sim dia sim, e falou-me directamente ao coração a escorrer mais nada além de bondade em todas as palavras. Durou 10 minutos. Mudou a minha vida.

Deve ser por isso que agora passo o tempo a desejar que apareça um professor mágico na vida do meu filho Tiago que o atravesse. Que o resgate e o devolva à escola. Que o salve e lhe mude a vida. Infelizmente há coisas que nem as mães, mesmo as que são professoras, conseguem fazer.











2 comentários:

  1. Atravessar paredes não é fácil, mas o que de todo nunca se deve fazer é acreditar que há paredes intransponíveis. Remarkable é aquele que compreende isso e não se deixa intimidar. Esquece os psicólogos, aposta na vida e na liberdade de escolha. Faz os possíveis para que ele se dê a conhecer. Afinal, resultou contigo.

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