27 de setembro de 2016

a minha cabeça nunca está aqui

Viajo tanto quanto consigo e para onde consigo. Nalgumas vezes sozinha e, sempre que possível, com os meus filhos. Viajar é perceber quem somos. É encontrar nas diferenças culturais, razões de vida que são unas. Ver os outros, para nos vermos a nós e com isso percebermos que fazemos todos parte de uma coisa maior chamada humanidade. Parece-me que a tolerância existe quando se aceita o outro como igual, sabendo-o diferente. E esta noção de igualdade surge com o conhecimento de que as pessoas de outros países sentem, pensam e fazem como nós. Este 'como nós' ganha cada vez mais significado em mim. Viajar oferece-me um mundo mais lúcido, um ego menor e a capacidade de me encontrar nas pequenas coisas. Viajar oferece-me respostas, mas também, e sempre, mais e novas perguntas de descoberta.
E esta coisa de passear vai ganhando espaço. Dias seguidos. Gosto muito de o fazer na versão pelintra. Dá-me uma sensação de total desprendimento de tudo, de liberdade absoluta não saber onde, nem como, nem a que horas. Ir indo. Tenho, por isso, cada vez mais dificuldade em passear com quem seja, porque este nada que tem um logo se vê, não é para todos. Quando deixo os dias seguirem, acontecem coisas inimagináveis e vivemos momentos únicos, pela surpresa e descoberta que dão. Hoje em dia as pessoas gostam de tudo programado. A hora, o lugar, o hotel, o almoço e o jantar. Tomar banho, dormir, comer, sentar na esplanada. E eu ando muito contra a corrente. Eu gosto de tudo desprogramado. Sem hora, sem lugar, comer quando tenho fome, dormir onde se encontrar e quando nos apetecer. Faço muito isso aos domingos, que é o único dia que conseguimos existir pelas nossas leis. Por isso, raramente almoçamos ou jantamos, no sentido formal da coisa, e só percebemos que o dia acabou porque anoitece.

Ora, claro que quando penso nalgum passeio ou viagem, sou atraída pela aventura do sem programa prévio. Apenas um destino ou um objectivo. E essa coisa dos objectivos está-se a tornar numa obsessão, porque eu adoro perseguir imagens ou pontos no mapa que, por uma razão ou outra, soube que existiam. A primeira imagem que me lembro de perseguir, foi a Ilha de Brac, na Croácia. Vi a fotografia na Expo de Hannover, quando andava a fazer um interrail e só descansei quando tirei a fotografia na ponta da ilha. Esta ponta:

















Gostava de mostrar a foto de mim lá, mas não sei onde está. Na altura, em 2000, foi até bastante aventuroso chegar até lá. A guerra civil da Jugoslávia ainda estava mais ou menos a acontecer e quando decidimos ir nao sabíamos bem como o fazer. Em Zagreb encontrámos um ambiente muito difícil e já na costa da Croácia, descobrimos um lugar a querer sobreviver. Mas valeu tudo.

Continuei sempre a perseguir imagens ou nomes de lugares e a isso juntei a minha paixão por conduzir estrada fora. Haverá alguma coisa melhor que ter a liberdade de conduzir estrada fora? Este é o meu luxo.O carro. Amigos da caminhada e da bicicleta, eu não estou nessa. Um carro não cansa, transporta tudo e serve de abrigo, quando falta o sítio para dormir. E eu adoro conduzir. Falta-me concretizar a autocaravana/carrinha adaptada pela estrada fora. Um dia.

Entre os muitos passeios ou viagens que já fiz sozinha, ou com os miúdos, há um lugar especial para o GrossGlockner, na Áustria. Aliás, essa viagem a dar a volta à Áustria ficou no nosso coração. Grossglockner é o ponto mais alto da Áustria. Tem 3797 m de altitude, pelo que é a segunda montanha mais proeminente dos Alpes, depois do Monte Branco. É tudo inacreditável lá e quando li num livro que era considerada uma das 10 estradas mais bonitas do mundo, percebi que tinha que a fazer. Só está aberta entre Maio e Setembro e termina num glaciar. Na foto, a Mia com 9 anos, põe-se a jeito para o registo. Não consegui encontrar mais imagens, mas esta mostra uma parte muito gira da estrada.













Depois desta, e antes desta também, já temos tantas na nossa lista! Tenho planos de as ir contando aqui, para as guardar com o detalhe que merecem!

Agora ando com duas novas obsessões. Era só uma, mas entretanto esbarrei na outra e não pode ser. Ter duas obsessões em países diferentes. Eu preciso resolver isto.

Øresundbron
É uma ponte/túnel que liga Copenhaga, na Dinamarca, a Malmo, na Suécia. Tem de 8 quilómetros de ponte e 4 quilómetros de túnel pelo canal Flint. É absolutamente essencial eu ir lá.










Passage du Gois
Aqui mesmo ao pé de nós, em França, ao lado de Nantes. É uma estrada na baía de Bourgneuf que une a Ilha de Noirmoutier ao continente. É famosa porque a estrada fica submersa pelo mar conforme as marés e apenas é transitável durante a maré baixa, ficando inundada duas vezes por dia durante a maré cheia. How cool is that?










Agora só preciso encaixar isto tudo na minha agenda. Wish me luck! 

13 de setembro de 2016

depois ::: after

***Scroll down for the English version***

Escondi-me. Fugi e escondi-me. Em casa. As pessoas andam a ver de mim e eu continuo cada vez mais escondida e não sei o que faça. Ensaio respostas. Evasivas. Ensaio respostas que não são mais que bocados vazios cheios de palavras que não dizem nada. Silêncio. A primeira vez que me sentei no café perto de Skaramagas com a Andreia, falei dos refugiados e ela disse-me que ia haver um dia que eu ia parar de lhes chamar refugiados. Voltei da Grécia sem refugiados. Voltei com nomes. Pessoas. E agora, que faço? Fui-me embora a querer falar sobre refugiados e volto cheia de pessoas? Não posso contar a vida deles. Dos meus amigos. Nem o nome deles me apetece dizer. Apetece-me guardá-los a todos e não dizer nada aos que esperam por me ouvir. Posso falar dos campos, das squats, dos voluntários, das organizações. Posso falar do que falta. Do desespero. Da vida que passa cheia de nada. Do amanhã que não existe. Da normalidade com que o inacreditável me é relatado. Do difícil que é olhar novamente para a vida que existe ao meu redor. Da certeza que tenho que nenhuma palavra que eu diga será suficiente para fazer entender uma realidade que só vivida pode ser compreendida. Sentida é uma melhor palavra. Posso. Devo. Repetir até à exaustão que são pessoas como nós. São pessoas como nós. São pessoas como nós. São pessoas como nós.

SÃO PESSOAS COMO NÓS.

Não. Não são coitadinhos. Não. Não devemos ter pena. Não, eles não precisam de misericórdia. Precisam de respeito. Da devolução da sua dignidade. E, se calhar por isso, é importante que a palavra refugiados permaneça. É importante que eu fale dos refugiados, que eu volte a essa distância. Há muito para dizer. Mais ainda para fazer. É tudo tão imenso. E tão pouco. O contributo de cada um para cada refugiado é apenas devolver-lhe a dignidade que lhe foi tirada. Às vezes só por uns breves momentos. Mas já contou. Na conta da humanidade, já contou.

:::

I hid myself.  Fled away and hid myself. At home. People are searching me and I continue hidden and do not know what to do. Rehearsal responses. Test answers that are nothing more than empty pieces of words. Silence. The first time that i sat in the cafe near Skaramagas with Andreia, I spoke of refugees and she told me that there was one day that I was going to stop to call them refugees. I returned from Greece without refugees. I returned with names. People. Now what do I do? When i left i wanted to talk about refugees but now i returned full of people. i can not talk about their lives. They are my friends. Neither their names i feel i want to say. i feel the strong need to protect them and don't say a word to the ones that are waiting for my stories about them. I can talk about the camp, the squats, the volunteers, the organizations. I can talk about what is missing. The despair. The life full of nothing. The tomorrow that does not exist. The unbelievable reported to me as normality. And how hard it is to look again to the life that exists around me. The certainty that no words could be enough to anyone understand this reality without actually live it. But I can. I must. Repeat to exhaustion that they are people like us. They are people like us. They are people like us. They are people like us.

THEY ARE PEOPLE LIKE US.

No. They are not poor things. No. We should not feel sorry. No, they do not need mercy. They need respect. They need their dignity. And maybe that is why it is important that the word refugees remain. It is important that I speak of refugees, that I return to this distance. There is so much to be said. More still to be done. It's all so immense. And so little. The contribution of each of us to each refugee is just give him back the dignity that was taken from him. Sometimes only for a few brief moments. But already worth it. On the account of humanity, was worth it.