19 de setembro de 2022

tentar

Tento escrever todos os dias mas ainda não sou capaz. 

Penso constantemente no que quero escrever e como o quero dizer. Ando para trás e para a frente na minha cabeça trocando palavras. Procurando palavras que digam o que eu quero dizer. 

O que tento dizer.

Acumulam se os rascunhos com notas de melhorar melhorar melhorar. Não sei bem o quê mas sei que precisam de melhorar. Preciso de os melhorar.

Vivemos de palavras porque não sabemos viver de silêncio. Quando o silêncio cresce dentro de nós as palavras vão se tornando cada vez menos usadas e por isso mais inúteis e por isso também sabemos (sei) cada vez menos palavras. Eu sei cada vez menos palavras.  

Continuo a não gostar de vírgulas e isso tem dificultado muito fazer me entender. Agora por causa de escrever no telemóvel também deixei de gostar de hífens e é mais um problema.

Tenho muito respeito por palavras mas muito pouco pelas regras que há para as juntar.

Regras….. (tento) (pouco)

Aqui há uns meses comprei um curso de escrita do quotidiano e ainda não o fiz. Fico a pensar na razão de ainda não ter enfrentando isto. Demoro sempre a olhar de frente o que mais quero. Fico à espera, perdida na procrastinação, encontrando razões para não ser o tempo certo. Nunca é o tempo certo.

Talvez deva falar sobre isso com a minha psicóloga. O eterno receio de me encarar.

Hoje porque é de madrugada e porque a insónia me obrigada a pensar nas palavras que não consigo encontrar decidi publicar sem pensar demasiado.

Sem melhorar.






14 de setembro de 2022

dois parvos

Agora tenho dois cães. 

Despachei a Clarinha, a gata que tínhamos, para uma família muito melhor que a nossa no departamento dos gatos. A Clarinha tinha uma personalidade demasiado grande para esta casa e deixava de nos falar quando ficávamos uns dias fora, o que acontecia amiúde. Além disso, o sistema digestivo dela não tinha memória e passava os dias ou a comer ou a miar a pedir comida. O tempo que lhe restava passava a ignorar-nos. 

A última vez que vi uma foto dela já não era uma gata, tinha se transformado num texugo. 

Ficámos uns tempos sem animais cá em casa, além das minhas três cabras adultas. 

Um dia, era feriado, e tive a ideia triste de ir a um canil “só ver”. Até tive que pesquisar no Google por canis aqui na zona e encontrei o Arronches Adopta. Lá fomos. Com repetidos avisos às criaturas que íamos “só ver”.  Pois. 

Assim que lá cheguei, dei de caras com o Pintas, mas a Patrícia nem me deixou aproximar, que ele era muito destruidor e só dava para a malta do trail. Tinha que ser cansado. 

Tentou vender-me aqueles cães cremes dos velhos. Sabem? Até o nome era ridículo. Alf. 

Claro que o Tiago ficou logo cheio de compaixão, que não era assim tão foleiro e que a cauda era muito engraçada e uma série de outros argumentos que nem ouvi. 

Mais à frente estava a Noa. Acabada de devolver de uma adopção que correu muito mal. Ainda tinha o pelo todo foloso, mas atirou se a nós a pedir festas e mimos e nós encantámo-nos. (Mais tarde, viemos a descobrir que ela faz isso a toda a gente e não éramos especiais. É mesmo uma Maria vai com todas.)

Negociámos com o Tiago e fomos passear a Noa e o tal do Alf, que se revelou desinteressante. 

Passámos a ir passear a Noa mais vezes e passei a levar o António (sobre o qual falarei noutra ocasião), uma vez que ele era corredor e assim a Patrícia deixava passear o Pintas. 

Long story short, a Noa foi adoptada um mês depois. Em Abril de 2019. Estar prestes a ter um cão é muito parecido com estar prestes a ter um filho. Toda a gente se mete e oferece opiniões e conselhos não solicitados. Chegámos a temer o pior. Aquilo parecia mais uma prisão do passeio à rua do que um cão. Imensas regras, horários e mariquices que nos pareciam completamente desnecessárias. Afinal, um cão é um cão, certo? 

A Noa veio e adaptou se aos nossos horários, até porque não teve outro remédio. Passeia quando acordamos e já vai com sorte. Tem comida sempre à disposição, porque ou era isso ou era bem capaz de ninguém se lembrar se já tinha comido ou não. 

E passou a ir connosco para todo o lado. É a cadela mais parvalhona do mundo todo. Responde por Noa, Noémia, Rantanplan, Doutora, Princesa, Preta e tudo o mais que entendamos chamar-lhe. Abana sempre a cauda e está sempre feliz. No fim-de semana que a adoptámos, fomos passear ao Luso e levámo-la. Passou de estar presa a uma árvore por um arame para abanar a cauda no Buçaco! Ficou logo ensinada sobre a vida nesta casa.

Faltava o Pintas e seis meses depois tive que aldrabar o António para finalmente dar o passo de o adoptar. Disse-lhe que o iam buscar nesse fim-de-semana e ele entrou em pânico e ligou à Patrícia a pedir pamordedeus que não o deixasse ir embora que ele perfilhava-o.

Afinal o Pintas só queria mesmo mimo. Se correr fica feliz, mas gosta mais de ser o bebé cá de casa. É imensamente parvo e a Mia diz que ele é o Jason do The Good Place. Tendo a concordar. 

Actualmente, moram os dois cá em casa e vivem onde nós estivermos. Habituaram-se a fazer muitos quilómetros e a estar connosco, seja lá onde isso for. E em que condições. Já dormimos os quatro no carro, num desses passeios mais livres que fazemos por aí. Mas também já ficaram em muito hotel por este Portugal, e Espanha, fora. Outras vezes ficam com os tios que vamos arranjando ou sozinhos em casa, esperando até de madrugada que cheguemos para o passeio. Aprenderam a confiar, sabem que voltamos sempre, por isso vivem tranquilos.

São os dois completamente parvos. É como ter dois putos de quatro anos que só têm ideias tristes. 

Uma das coisas preferidas da Noa é andar de elevador e ver as portas a passar à medida que aquilo sobe. Só para verem o nível. 

E todas as pessoas, que foram muitas, que vaticinaram que íamos ser péssimos donos e que os cães não iam durar cá muito tempo, enganaram se redondamente.



(O momento em que conheci a Noa ficou registado.)



https://drive.google.com/uc?export=view&id=1jZ3khKhxQ8mkhOtmt4rYydszF6HE6TVF




bittersweet

Nada está igual.

Claro que seis anos podem apenas passar e pouco ou nada se altera na vida, mas no nosso caso, tudo mudou. A nossa família viu-se a braços com tantas mudanças e desafios, que se transformou noutra coisa, que ainda não sabemos muito bem definir.

Os miúdos cresceram. Em tamanho, e em personalidade. 

Um dos grandes desafios tem sido o ninho a esvaziar e esta mãe a tentar superar esse imenso vazio que fica. Depois de uma vida inteira a sermos apenas os quatro, numa relação plena, agora tenho dois quartos permanentemente vazios, habitados poucos dias no ano e nunca o tempo suficiente para trazer algum enchimento ao que costumava ser.

E essa será a luta. O que costumava ser já nao existe. Agora há outra coisa, a que nos estamos muito lentamente a habituar. A grande dor de crescimento é esta. A saída de casa. As asas que se ganham e os dias que se vivem, cada um no seu percurso individual.

Por um lado, claro que é maravilhoso ver isto a acontecer. Foi para isto que nos preparámos e a educação que lhes dei, serviu. Para eles serem adultos neste mundo. Adultos intervenientes, atentos, envolvidos. Capacitados para essa coisa tão em desuso, chamada pensar. E estou imensamente orgulhosa do caminho. Seguem, nem sempre firmes e seguros, mas seguem, perseguindo aquilo em que acreditam.

A Mia é finalista de Direito, na Clássica, e está este semestre em ERASMUS, em Barcelona. Pelo meio, já foi de várias associações, do Senado da Universidade de Lisboa, e fez alguns voluntariados. Continua exigente, determinada, e imensamente sensível.

O Tiago está no ISCTE. Envolvido até aos ossos na vida académica, descobriu-se entre iguais, luta continuamente por encontrar o seu caminho e dar os passos necessários para o percorrer.

A Madalena está no liceu. Cheia de tudo o que uma adolescência deve ser. Amigas, festas, sonhos, listas de associações de estudantes, planos infinitos, música e mais festas e mais amigos.

Por outro lado, custa horrores. Não vale a pena dourar a pílula. Uma boa mãe torna-se desnecessária. Fui (sou) uma boa mãe. Sou desnecessária. Claro que continuo a dar suporte emocional e a estar muito presente na vida deles, mas convenhamos, nem chega a metade do que era. Sobra muito tempo. Sobram muitas horas. Estou eu, comigo. Estou eu, sem saber o que fazer comigo. 

Sinto-me como que chegada ao fim de uma coisa que era a minha identidade e o que vem a seguir não me interessa muito, não me chega, não me entusiasma. Não me cresce. E essa tem sido a luta. Encontrar-me.



(ilustração encomendada à Marta Nunes )






12 de setembro de 2022

seis anos depois

É aceitar, que dói menos.

Passaram num piscar de olhos estes 6 anos de ausência.

Não, não é verdade. Parece que foi noutra vida. Parece que está aqui o relato de outra pessoa qualquer. Agora leio o que escrevi e lastimo esta ausência. Quantos pensamentos ficaram dentro de mim e quantos outros perdidos para sempre?

Primeiro, o silêncio que se instalou depois da Grécia e, durante muito tempo, a vida toda invadida pela Grécia, e a vontade cada vez maior de me silenciar. Nem era vontade, era uma coisa maior que eu, não intencional. Um silêncio que veio e me roubou qualquer palavra que pudesse ou quisesse dizer.

E depois, a vida, em catadupa. O ritmo mudou, os acontecimentos atropelaram-me, fizeram-me primeiro sair muito de casa, depois enfiar-me muito em casa, dentro de mim.

E agora, de há uns tempos para cá, comecei a pensar em voltar a escrever. Fui-me derrotando com as evidências da falta de treino, que me roubam palavras e me dificultam o pensamento mais articulado. Ainda tenho muita dificuldade em expressar-me por palavras. Mesmo quando falo, nem sempre faço sentido. Tudo isso contribuiu imenso para o silêncio.

Volto agora, nesta tentativa meio escondida de ir ganhando voz. A minha voz interna, confusa e errática. Insegura e ansiosa. A minha voz cheia de seis anos muito grandes sobre os quais, eventualmente, falarei. Volto, infantil. Mas volto. Ou tento, vá.