27 de agosto de 2016

processos de logística emocional

Há dias que são efectivamente o primeiro do resto das nossas vidas. Hoje foi um desses. Tenho o coração cheio. E também vazio. Isto de um lado é nada e do outro é tudo. 
- Hey, my friend! What's your name?
- Ana.
- Ana in arabic means "me"!
- Where are you from?
- Portugal.
- Portugal? Good country?

Depois sorriem. E ficam ali ao pé. Já são amigos. Já somos todos do mesmo sítio. Somos de Skaramagas. Estamos todos ali e acho que nenhum de nós sabe bem porquê. O inglês é fraco, mas o silêncio e o olhar chega para estar ali a sermos amigos.

Hoje a Esra chorou quando outra miúda cantava uma canção. Era sobre a terra dela, no Iraque, e contava que tinham fugido de lá por causa da guerra. Tem 13 anos e saudades. Dá-me a mão, enquanto estamos sentadas no chão a ver o Skaramagas Got Talent. Do outro lado de mim está a Assmaa, que não me larga desde que nos conhecemos. É da Síria, tem 16 anos, fala inglês e percebe curdo. Vai-me contando o que se passa no palco. As canções são todas tristes? Pergunto-lhe. Ela sorri. Entretanto vem outro miúdo cantar e começam todos a acompanhar e ela contente diz-me ao ouvido "happy song about mother". Respondo-lhe: All the songs about mother are happy! E ela encosta a cabeça no meu ombro e diz - Yes!
Quando nos despedimos, agarra-me as mãos e pergunta-me: - You return tomorrow?

Não há barreiras nesta relação. Não há amanhã. Não há depois. Se é para fazer, faz-se agora. Se é para dizer, diz-se agora. Estão ávidos de se dar. Eles não querem receber nada. Querem dar-se todos. Sentam-se, encostam-se, dizem as palavras que sabem e quando não sabem palavras galgam para cima de nós e olham sem desviar o olhar. Os mais velhos, sentam-se ao lado e ali ficam. Os olhos deles são grandes demais para que lhes possa continuar a chamar refugiados. Sinto que podia ficar aqui para sempre e fazer isto todos os dias da minha vida. Sinto que não lhes dei nada mas eles receberam tudo. Na verdade, nem sei quem está a dar a quem. Não sei se eles têm noção do que me salvam a cada momento. Estamos na base da pirâmide e ali, onde não resta nada, acaba a haver o mais simples, o mais puro, o mais verdadeiro.
Voltamos para casa e o Ahmad pede-me amizade no facebook. Tínhamos estado juntos no mercado voltado para o mar que nasce ao fim do dia. Aceito. Pergunta-me no chat:
- You know who am I?
- Off course. You teached me how to say falafel.
Responde-me com emojis cheios de corações e depois um " you remember me".
Como posso eu esquecer?




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