Às vezes, estas vontades vadiadoras batem-me à porta e é preciso respeitá-las. Esta bateu-me à porta quando me apercebi que podia beneficiar de uma série de feriados consecutivos e fazer uma espécie de mini-férias traçadas com alguns (poucos) dias de trabalho.
Há várias coisas que começam a ser hábito nas voltas que dou, mas nem todas muito positivas. A mais importante de todas é o meu total falhanço como organizadora da coisa. Em tempos idos eu era a nata da nata do detalhe e planificação de viagens, alojamentos e cenas diversas. Isso acabou. Agora, com os níveis de concentração e capacidade de levar a cabo várias tarefas paralelas a atingirem mínimos históricos, ridículo é um eufemismo para caracterizar o que acontece. Ainda assim, os meus mínimos chegam-me para marcar onde ficar e conseguir pensar o início da rota, ficando tudo o resto naquela maravilhosa categoria chamada "logo se vê".
No primeiro fim-de-semana, aproveitando o feriado municipal, a ideia era ir a Setenil de las Bodegas, na Andaluzia, perseguir uma imagem vista no Trover. Pareceu-me uma boa oportunidade para mostrar aos miúdos Gibraltar e logo se via mais o quê e onde e como e essas coisas. Na véspera de irmos, o Tiago foi para as festas da cidade com os amigos e eu fui ao maravilhoso Pátio da Casa com as miúdas e amigas. Resultado óbvio: chegámos todos a casa tarde que se farta e no dia a seguir levantar, fazer malas e ir originou uma espécie de efeito dominó na minha casa e em tudo o que eu tinha (mal) planeado sobre a ida. Parecia que estávamos a assaltar a nossa própria casa, atirando coisas para sacos e fugindo dali para fora. Quando chegámos a Sevilha caiu-me a ficha de que a) não tinha tomado nota da morada do apartamento; b) não tinha avisado o dono da hora de chegada. Nada que um restaurante com wi-fi não tenha resolvido e lá seguimos. No dia seguinte, fomos a Gibraltar e vou ter que o considerar o ponto alto desta viagem para os miúdos. O encanto com ver-se África mesmo ali, haver um sítio no meio de Espanha onde se fala em inglês, se cobra em libras e tem uma praia pequenina e quase deserta... Foi a loucura! A loucura foi também termos a sorte de ver a fronteira fechar para deixar aterrar dois aviões ali mesmo à nossa frente e, tenho mesmo que meter na lista de "a loucura", encher o depósito com gasóleo a 0,72€/litro. O dia acabou com o pôr-do-sol em Punta Paloma, que de repente são apenas dunas gigantes que tapam a estrada.
O dia seguinte foi o meu ponto alto e exigiu 8 horas enfiados no carro pelo meio da serra. Parámos em Ronda para a voltinha e foto da praxe e seguimos para o destino da mãezinha: Setenil de las Bodegas. A aldeola que nasceu do meio da rocha. Quando demos com aquilo estava morta da capacidade cerebral, mas valeu tudo o que esticámos até lá! É surreal e está aqui bem perto de nós, da malta que mora na fronteira de Portugal. Quando chegámos a casa estávamos dados e a rejeitar a ideia de que no dia a seguir era tudo normal. Trabalho, escola, testes e reuniões...foi um choque passar de uma coisa para outra. Mas durou pouco. Estava já a chegar o próximo carregamento no botão do off! Tudo planeado pela pessoa com quem fui, local e hora de chegar, pela fresquinha. Nada me ia deter. Nada, excepto o jantar e noitada valente que fiz com amigos na véspera. Que me deteve até à tarde do dia seguinte em péssimas condições e me impossibilitou de fazer, como manda a lei, aquela coisa chamada mala, com as coisas que as outras pessoas levam para a praia. Felizmente tive bastante oportunidade para fazer absolutamente nada nos dias seguintes e recuperar de todos os cansaços que me andavam a estragar a actividade cerebral. Para quem só pode tirar férias de jeito no pico da época alta, conseguir estes momentos de curta paragem exige muita ginástica na agenda e não possibilita grandes preparações, mas são a garantia da manutenção do bom humor social, que de si já é curto.
Às vezes é mesmo preciso que exista a paisagem. E que seja uma linha recta até lá ao fundo, sem nada que a perturbe. Sem nada. Foi assim.