17 de janeiro de 2016

não é fácil viver nesta casa

Com a defesa do PhD a chegar a passos largos começo a perder, a passos ainda mais largos, todas as condições necessárias à normalidade.
Tinha feito um draft da apresentação, que estava tão mauzinho que o meu tutor nem me respondeu. Andava há dias a mastigar a coisa dentro de mim. Sabia que tinha que me sentar a fazer aquilo e o meu lado B já era demasiado visível. Foi hoje. Mesmo com os miúdos em casa, mesmo sendo domingo de preguiça. Passei o dia a esgotar os restos de mim, regressando ao inevitável: a tese.
Os miúdos decidiram ficar em cima do acontecimento e só desapareceram para a sala quando lhes pedi carinhosamente que desaparecessem. Não foi carinhosamente. O remorso bateu e decidi ir para sofá ver um filme com eles. Em pouco tempo, a Madalena borregava para um lado e eu borregava em cima do Tiago, enquanto a Mia estava desaparecida nos Sims. Foi quando se deu.

Tiago: ....apetece-me tanto um hambúrguer.
Eu: Não há. Só se fores comprá-lo ao Pingo Doce.
T: ...eishhh...não me apetece nada...só se fores comigo.
A: Eu vou... -espreito o telemóvel- são 8 e 54. Tens uma hora para te decidires.
T: Mas o Pingo Doce não fecha às 9h?

Olhámos um para o outro, saltámos do sofá, voámos para os quartos, vestimos meia roupa de sair à rua (a outra metade continuou a ser pijama), saltámos os degraus da escada aos 3 e 3, corremos feitos loucos pelo meio da estrada, atropelámos umas pessoas que iam a entrar e fizemos um high five na entrada do Pingo Doce. Dominámos a loja à patrão, dividimos tarefas e comprámos tudo em micro segundos. Fomos para a caixa e foi ai que comecei a reparar no estado da situação. A empregada estava demasiadamente calma. As pessoas continuavam a entrar tranquilamente. Não se ouvia anúncios do vamos fechar....Decidi esperar serenamente pelo talão da compra. Estava lá escrito 19h00. Em ponto.

Eram sete da tarde e o meu telemóvel vai morrer à martelada.





13 de janeiro de 2016

overparenting

Eu observo com muita atenção. As mães. 
A maior parte do tempo acho que não dormem. Não é possível fazer tanta coisa e tudo tão bem feito. Sabem as horas de tudo, o que se passou na escola entre os miúdos ou na sala com um pormenor admirável, sabem o nome dos professores todos e as datas dos testes. Fazem almoços e são peritas em doces e salgados, sabem que a comida do refeitório hoje estava fria ou tinha sal a mais. Vão buscar e levam para todo o lado. Sabem quando chove e quando faz frio e nunca se esquecem do kit gorro, luva e cachecol.

Caramba.
Eu nem o nome das disciplinas todas sei.

O outro dia perguntei a uma amiga da minha filha (9º ano), para que área queria ir e ela respondeu-me "a minha mãe é que sabe". E noutro dia, perguntei numa aula (ensino superior) quais eram os objectivos que tinham para a sua vida e uma aluna respondeu-me que tinha que falar com a mãe.

É que eu dou aulas aos filhos dos outros, numa fase da vida em que teoricamente eles são "jovens adultos".  E o que se passa é que os pais helicóptero estão a dificultar a vida aos filhos que já não estão a saber ser adultos. A decidir. A ir fazer acontecer. A lutar. A perceber que a frustração existe. A aceitar o mau e a lutar pelo bom. A serem responsáveis. E gratos, a gratidão está em vias de extinção, porque esta gente não sabe o valor de nada. Tudo lhes caiu no colo. E talvez por isso, tudo é um fastio e um enfado muito grande. Não existe o nada, o silêncio ou o vazio na vida destes miúdos. Se não está a todo o momento algo de excitante a acontecer, eles ficam sem saber como reagir.
Eu diria que quando comecei no ensino, havia uma minoria que estava perdida. Hoje, a situação está a inverter-se. Estamos mesmo na geração mais triste de sempre?

Tenho lido muito sobre este assunto e reflectido sobre qual a actuação que eu devo procurar ter, enquanto mãe. Ou melhor, questiono-me sobre o que é ser mãe nos dias que correm.

Eu preciso mesmo estar em todo o lado e ser tudo a todas as horas?
E o que me acontece enquanto eles crescem? E depois de se irem embora?
Uma mãe pode ser uma mulher que existe?

E um filho? O que é um filho? 
É uma pessoa?
Um filho, lá porque agora usa fraldas ou diz palavras fofinhas, vai crescer e ser um adulto. Não convém que pense? Não convém que decida? Que vá saber, vá descobrir. Sozinho. Mesmo que caia, mesmo que doa, mesmo que chore. Um filho é um adulto do futuro que precisa saber que o mundo é duro, que as escolhas têm consequências, que a sorte dá trabalho, que as coisas custam. Que a vida é difícil. Mas pode ser engraçada. Só sabemos o que é a felicidade, se já tivermos sido infelizes. Só conseguimos celebrar uma vitória, se já tivermos conhecido a frustração da derrota. Não há como fugir a estes clichés.

Tento acompanhar, saber o que pensam e sentem. As dúvidas e angústias. As alegrias e sonhos. Sou também a entusiasmadora oficial dos voos que sonham. Fazemos planos e falamos muito sobre a maneira como vemos o mundo. Penso que eles é que têm que saber gerir a vida deles. A quem se dar e como se dar. Afinal, o caminho é sempre individual. Procuro não ser excessivamente maternal. Procuro ouvir e dar dicas para resolver, na expectativa que entretanto aprendam a resolver sem dicas. O que eu quero que eles saibam é que eu serei sempre o porto seguro onde podem vir e ficar o tempo que for preciso. Aqui é a casa deles. Eu sou a casa deles. Mas não sou eles.

Muitas vezes olho-os e fotografo mentalmente o momento. E lembro-me quando ainda os pegava ao colo e agora já têm borbulhas e dores de alma. É que...eles crescem. Eles não nos pertencem. E depois podem ficar perdidos neste grande caos que é viver. 

É preciso deixar ir. Nada nem ninguém nos pertence. 
E esperar que resulte.