22 de março de 2015

alice

A propósito deste artigo e a propósito da minha vida toda, o que é uma família?
Na verdade a minha família de origem foi uma mãe, uma avó e um irmão. Comecei logo, como se dizia à época, disfuncional. O meu pai morreu tinha eu 4 anos e a minha avó veio morar connosco. Com a família desinteressada do meu pai ali mesmo perto de nós, quem me criou foi a minha mãe, que fez de mãe e de pai e que fez tudo com tanta aparente normalidade que eu nem dei pelo esforço que estava ali a acontecer todos os dias. E foi a minha avó, uma velhota alentejana, que me ensinou a ser alentejana e a olhar sempre para o lado bom das coisas. Na escola, quando era dia do pai, punham-me de parte a fazer desenhos para o meu irmão. E eu virava mesas ao contrário, saia de salas com professores a correr atrás de mim a fazer ameaças que nunca chegavam sequer a entrar no meu sistema de processar o que vem de fora.
Cresci sem pai. Cresci sem saber do que ter saudades. O dia mais duro do ano é sempre o 19 de Janeiro. Tenho optado por o ignorar. Às vezes opto por fazer as contas de quantos anos, quantas datas, quantas ausências, números que perdi. Não perdi. Não cheguei a ter. E talvez outro dia eu vos fale do quanto isso moldou, e continua a moldar, as minhas decisões.
O certo é que essa dor, talvez tenha sido essa dor, que me fez fazer quase tudo o que fiz na vida quando o assunto é família.

Entretanto cresci, veio o amor. E o amor trazia um filho com dois anos. Dois minúsculos anos para os meus 20 e poucos. Fui madrasta. Fui mãe do Gui, quando o Gui estava com o pai. Fui mãe do Gui de cada vez que tomei conta dele, o eduquei, o ensinei, o amei. Continuo a ser. O laço que criei com ele é indestrutível e poucas pessoas compreendem isso. Menos ainda o aceitam. Na altura, diziam que era porque era filho do pai dele e eu estava a desempenhar o papel esperado. Se eu fazia bem ninguém via, mas se eu fizesse menos bem, todos os dedos apontavam. Os deveres de mãe estavam presentes, os direitos nunca. Como eu dizia, o postal do dia da mãe nunca era para mim.
Depois veio a Mia e o Tiago e o fim dessa relaçao. E começou ai a minha luta pelos meus direitos de continuar a ser mãe emprestada do Gui.  Lidei directamente com a mãe dele, uma pessoa com quem não tinha quase nenhuma relação e a que tinha não era grande coisa. Hoje somos amigas. O Gui faz 19 anos para o mês que vem. E eu continuo a ser a madrasta dele.
Depois outra vez o amor e veio a Madalena e outra vez o fim.

A minha primeira gravidez, não foi a nossa primeira vez. A minha primeira filha, não foi a nossa primeira filha. Tudo o que eu andava a aprender, o pai sabia de cor. Quando o Tiago nasceu, a Mia era a filha do meio e também a mais velha. O Gui é filho único de um lado e tem 3+1 irmãos de outro. Quando foi a Madalena, era a primeira do pai e a minha terceira. A árvore geneológica ficou ainda mais complicada.
Os laços perduraram. Fortes. Presentes. Quotidianos.

Que família é esta? Quem somos?
Os pais dos meus filhos têm as tais famílias recompostas. Vivem com alguém e tiveram filhos com essas pessoas. E essas mulheres tratam dos meus filhos quando os meus filhos estão lá. Acarinham, dão colo e ralhetes. Educam. Amam. Aceitam que foi assim que aconteceu.
Os pais dos meus filhos são a área mais sagrada da minha vida. São intocáveis. Vivem dentro de redomas. Só eu posso praguejar sobre eles quando me zango. E mesmo assim os protejo. O pai que eu não tive é o maior direito que os meus filhos têm.

E quem sou eu nisto tudo?
Alguém emocionalmente agitada. Alguém com muitas lutas interiores. Alguém que não é impulsionada pelas consensuais normas sociais. Alguém que acha que um dia ainda é bem capaz de encontrar o amor num banco de jardim. Alguém que sabe a improbablildade disso vir a acontecer. Uma pessoa comum. Gente normal. Apenas uma história com ciscunstâncias particulares. Que talvez sejam fora do aceite como normal para não dar trabalho a pensar.

Na verdade ninguém leva uma vida normal. Todos lidamos com as nossas ciscunstâncias particulares.
A família pode ser composta por mais pessoas. Muitas. Pode -se amar e pode haver espaço para amar quem não é nosso biológicamente mas se tornou nosso por afecto. Porque a vida nos deu essa possibilidade e nós a aceitámos. Mas nisso, como em tanta coisa, Portugal está só a começar. Eu sei isso. Sinto-o na pele diariamente. O preço das escolhas diferentes é muito elevado.
Claro, mais vale tarde que nunca. Mas eu tenho 38 anos, faço parte de familias disfuncionais, não tradicionais, monoparentais, diversas ou qualquer outro nome que lhes queiram dar há 34. Para mim, já vêm tarde. É até uma vergonha que continuem apenas a discutir o assunto, como se não houvesse urgência no amor.



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