4 de fevereiro de 2015

sobreviventes

Hoje é o Dia Mundial contra o Cancro.
Aqui há uns tempos, não me lembro porquê, preenchi um formulário sobre o assunto e a dada altura perguntava se era sobrevivente. Respondi que não. Pensei que sim. Hoje em dia somos quase todos sobreviventes, somos quase todos pessoas que sobreviveram à dor e à perda de alguém que amavam e que viram partir de uma forma demasiado cruel, demasiado desumana. Lembro-me de pegar a minha avó ao colo, como se pegam os bebés, quando lhe dava banho. Lembro-me do Luíz, há um ano atrás, sentado no restaurante a comer um naco de vitela que a Susana inspeccionou minuciosamente e lembro-me de olhar para ele e de pensar que era quase mentira ele estar doente. Foi o último dia que o vi. Lembro-me da Maria, cheia de um sorriso gigante e da voz dela ser sempre de ternura. Por mensagem combinamos ver-nos quando estivesse melhor. Não chegámos a ver-nos. Lembro-me do pai do Paulo, que caiu e ele pensou que era osteoporose, zangado do pai não fazer exercício... Lembro-me do olhar da Susana, da força com que me abraçava das vezes que fui ao hospital. Lembro-me do Paulo, calado, a sofrer para dentro a falar das coisas que tinha para resolver da casa e do carro do pai para não falar do pai e da dor. Lembro-me do Max, cheio de esperança e de normalidade uma semana antes da Maria ir embora, e depois lembro-me do Max a andar de um lado para o outro na igreja perdido.
Perdidos. Sozinhos. Esta dor é deles. São sobreviventes.



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