12 de outubro de 2016

da vida simples

Todos os dias vamos para a escola a pé. Saímos de casa as duas e fazemos a rua entre a nossa casa e a escola. Pouco mais de 300 metros feitos em 5 minutos. Vamos de mãos dadas, observando o começar do dia e conversando sobre o que calha. Assim que passamos o primeiro prédio, vimos sair os dois irmãos que vão para o ciclo, sempre a reclamar um com o outro porque vão atrasados. No ciclo entra-se mais cedo que na escola primária! Depois dobramos a esquina e vamos passando por tudo o que já sabemos que nos espera. A primeira coisa que a esquina nos traz é a temperatura que está, hoje veio o frio da chuva bater-nos na cara e disseste logo que o Verão já não voltava "não é, mãe?", e lembrámo-nos de quando está tanto frio que dobramos a esquina e a cara congela, ou de quando está a chover muito e os guarda-chuvas se dobram e partem sempre no dobrar da esquina. Logo depois, as árvores chamam a tua atenção com a sua lenta transformação, as folhas já estão cor de vinho e a chuva fê-las cair durante a noite. Também se vê a confusão que a chuva provocou nos quintais das pessoas, que ainda estão no ritmo pouco precavido do bom tempo. Ficou tudo à chuva e está tudo molhado. Logo a seguir, aparece o primeiro vizinho a quem dizemos bom dia. Um senhor que sai de casa para esperar a carrinha do pão, que já se ouve buzinar na rua de baixo, e que traz no bolso um punhado de ração seca para os gatos vadios que circulam por ali. Mete a ração no cimo do muro que me dá pela cintura a mim e pelos ombros a ti, garantindo que o cão da segunda vizinha a quem dizemos bom dia não tem ideias tristes. Em Setembro, no primeiro dia do nosso caminho para a escola a vizinha sorriu mais que o habitual e, além do bom dia, disse um espantado "ela cresceu tanto no Verão!". Fazes uma festa apressada ao cão e seguimos. Normalmente, aqui comentamos que não estamos atrasadas. Sabemo-lo porque ainda não vemos a carrinha do pão. Ali, em frente da casa da senhora do cão, é a segunda paragem da rua e quando a carrinha do pão lá está quer dizer que estamos em maus lençóis. Baixamos a cabeça porque as árvores estão a pedir uma poda já há uns tempos e dizemos bom dia ao terceiro vizinho, que ficou doente há pouco tempo. Está de cadeira de rodas, mas sai para o meio da estrada e com a ajuda de uma muleta já se põe de pé a espreitar se vê a carrinha do pão. Comentas-me que o senhor está melhor, porque antes nunca saia da cadeira de rodas e ia pela estrada buscar o pão à paragem que fica no largo, a primeira da rua. Do outro lado, o cão que não se vê, ladra da casa ao lado da casa que está em obras. A obra vai bem avançada e nós fazemos apostas sobre quando estará pronta. Eu aposto na Primavera, mas tu achas que os senhores fazem tanto barulho que isso só pode querer dizer que os donos vão lá passar o Natal. Eu explico-te todos os dias de quem acho que é a casa e tu acabas sempre a dizer "ah, pois é! Já me tinhas dito", mas nunca te lembras quando eu começo a dizer. Chegamos ao largo antes da escola e começas as despedidas. Nem sempre te apetece que eu te leve mesmo até ao portão e eu deixo que controles essa decisão, feita mais de sinais e menos de palavras. Hoje, deste-me o guarda-chuva e um beijinho, mas depois disseste "vens até ao portão?". Claro que vou.
Entramos na praceta e combinamos como vai ser o dia após o fim da escola, mais um beijinho antes do portão e fico ali a ver-te entrar pela escola. Não levamos relógio, nem precisamos dele, o senhor da carrinha do pão diz-nos se estamos atrasadas. Quando faço o caminho de regresso, lá está ele na primeira paragem e lá estão os clientes do costume. Ele vê-me e diz-me bom dia lá do fundo. Comprei-lhe pão uma vez, mas ele vê-me todos os dias. Não lhe compro pão mais vezes, porque saio apenas com a chave de casa para te ir levar à escola e ver a vida do bairro a acontecer enquanto cresces. Um dia, isto tudo vai acabar. Ou deixar de ser assim. Mas agora, este caminho que faço todos os dias de manhã, no lento correr da vida, tornam-me parte do que é agora.








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