*Chico Buarque
26 de abril de 2016
ela faz cinema*
Hoje fui à tua procura. Fingi que tinha coisas a fazer por ali, na rua por onde andas. Fingi a mim mesma, pois não preciso fingir a ninguém. Fingi que precisava mesmo muito de ali ir. E fui. Devagarinho, para dar mais tempo à oportunidade de nos encontrarmos. Mas a fatalidade do destino foi madrasta comigo. Fiquei a pensar que não era boa hora para ter ido. Fiquei a pensar que amanhã terei que fingir novamente que preciso de ali ir, mas amanhã já sei que vou precisar de fingir que preciso de ali ir mais tarde. À hora do lanche. A essa hora terás concerteza que sair e terás concerteza que passar na mesma rua onde eu estou a fingir que tenho coisas a tratar. E vou-te ver. Sei que sim. Sei que te vou ver e sei também, com a mesma certeza, que tu me vais ver. Vais-me olhar. E, nessa altura, eu vou fingir que não te vi, porque nessa altura eu vou ter a certeza que tu sabes que eu não tenho nada a tratar ali e que estou só a fingir a mim mesma que tenho de ali ir tratar de uma hipotética coisa muito importante. Vai ser assim. E vou, novamente, fingir que não és importante para mim, que nem te reparei, ou que sou arrogante porque te reparei e não te falei. E sei também que nunca saberás que eu só fingi que não te vi porque estava ali a fingir que tinha uma coisa importante a fazer naquela rua, naquela hora e que tu sabias que eu não tinha mais nada que fazer ali senão ver-te, sofrer-te, querer-te e perder-te rua abaixo.
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